Artigo publicado na revista da CAEM (Central de Atendimento às Escolas de Música).

O desenvolvimento das habilidades musicais

Para a maioria de nós educadores musicais, o trabalho de Keith Swanwick é certamente um referencial teórico importante. Dentre as inúmeras contribuições brilhantes do educador musical inglês, há seu modelo espiral de desenvolvimento musical, inspirado na teoria de Piaget de crescimento por etapas.

A ideia da espiral sempre me fascinou, pois, entre outras coisas, me leva a refletir sobre o fato de que o nosso progresso musical volta, inúmeras vezes, aos mesmos assuntos (a escala maior, por exemplo), para olhá-los de forma sempre nova. Assim, depois de dar uma volta na espiral, percorrido um certo caminho, o nosso ponto de vista sobre um assunto será outro.

Há vários anos, me dedico ao estudo da improvisação (especialmente da improvisação melódica) e, dando voltas na minha espiral, enxergo esse assunto sempre de forma mais ampla, vejo novas relações, descubro novos elementos, novos caminhos. Eu entendo a improvisação como uma composição melódica extemporânea, uma composição “em movimento”, em que as decisões a serem tomadas pelo músico devem funcionar “de primeira”.

Se, por um lado, Swanwick contempla a improvisação entre os elementos do fazer musical, por outro, certamente ele está se referindo a alguma prática relativamente simples, em que as improvisações feitas por crianças ou por alunos iniciantes, se beneficiam da intuição, da descoberta sonora com grandes resultados. Mas como proceder no desenvolvimento dessa prática? Quais os percursos e as habilidades a serem desenvolvidas para nos tornarmos experts no assunto?

Quero compartilhar aqui uma ideia, que de um tempo para cá, norteia o meu trabalho de professor de improvisação. Podemos pensar em três diferentes áreas de habilidades musicais a serem desenvolvidas, como mostra a figura.

Segundo esse modelo, o conjunto das habilidades musicais pode ser representado como o resultado da interação de três áreas de competências que interagem entre si durante a performance musical e durante o preparo do músico.

 

Num vértice do triângulo, encontramos a área que chamo de mente lógica. Nela residem os conhecimentos lógicos-racionais, que se referem a:

  • A gramática musical e as regras compositivas (conhecimentos da linguagem harmônica, das tonalidades, do aspecto rítmico, da fraseologia e da forma musical, dos aspectos estéticos característico de um determinado gênero musical);
  • As capacidades de conhecimento/reconhecimento auditivo (conhecimento e reconhecimento auditivo de intervalos, acordes, pulsação e elementos rítmicos, contexto harmônico, etc);
  • O conhecimento da antologia, das gravações, dos intérpretes, dos estilos, etc.

 

Por exemplo, servirá ao músico reconhecer a forma da música que está tocando (se é AABA), onde começam e terminam as frases do tema. Será útil conhecer a tonalidade da música, seu campo harmônico, entender a função dos acordes, as escalas para improvisar, ter um ouvido bem desenvolvido, etc. Evoluindo na espiral, o improvisador terá grandes benefícios em conhecer, também, a gramática construtivista da composição melódico/harmônica.

Em outro vértice do triângulo, há o desenvolvimento das habilidades fisio-motoras: treinamento de técnica, escalas, arpejos, etc… mas também o estudo de frases, de padrões rítmico-melódicos que ficam guardados na mente e no corpo do músico, prontas para serem usadas “na hora certa”.

No último vértice do triângulo, encontramos a que chamo de mente criativa. Nela residem as capacidades de decisões de caráter estético/artísticas, a capacidade de interagir “em tempo real” com os estímulos externos (vindo de outros músicos, do público, do contexto em geral). Na educação musical, essa talvez seja a área que mais precisa de estudos e aprofundamentos.

Concluindo

Dizem por aí que música e matemática andam juntas. Mas aqui, entre espirais e triângulos, parece que a geometria esteja reivindicando, também, seu lugar.

Talvez, a ideia do triângulo e de suas áreas possa ser um instrumento útil para nosso trabalho de educadores não somente na área da improvisação. Pensando, por exemplo, em um pianista intérprete de música da tradição europeia, podemos concluir que as primeiras duas áreas demandam mais atenção do que a terceira. Já, ao trabalharmos com um grupo de crianças, a área da criatividade poderia ter um espaço maior.

Fica o convite ao uso dessa ferramenta, por exemplo na hora de entender onde nossos alunos se colocam em seu desenvolvimento, quais habilidades musicais dominam e quais áreas precisamos desenvolver com eles.

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